terça-feira, 14 de abril de 2009

As horas-mortas



Já havíamos passado mais da metado do expediente.

Adentravamos agora as horas-mortas...

Os burocratas ancestrais há anos já falavam em "horas-mortas" para se referir ao período do expediente em que não há mais nada para fazer...

É nessas horas que cabe a cada um vagabundar à sua própria maneira.

Enquanto uns relêem pela quinta vez a mesma Reader's Digest que ronda as mesas desde o começo do ano... outros deitam a cabeça entre os braços e tentam inutilmente dormir... E os mais ousados fogem discretamente da Repartição para dar uma caminhada, fazer as unhas no salão, ou algo do tipo...

E eu reparo assustado a agonia do nosso Chefe...

Todos os dias nesse horário seu rosto se transforma... começa a suar frio... vai até a cozinha, pega um café e volta para sua mesa... suspira suspiros profundos... espalha alguns papéis na mesa só para depois reuni-los de volta... pega o telefone, pensa em algum número para discar, e depois coloca novamente no gancho... debate-se na cadeira tal qual peixe fora d'água...

O pobre coitado era um workaholic em plena repartição pública... A metáfora do peixe lhe assenta perfeitamente!

Ao contrário dos vagabundos, sofria a falta do que fazer...

No começo, aquele desassossego face ao ócio e seu repugnante apreço pela burocracia causavam-me um asco intolerável... Por quantas vezes eu saíra para o banco, à lanchonete, à loteria só para evitar o vegetar sufocante daquele homem...

Porém , com o tempo passei a entender e respeitar sua perspectiva da coisa toda...

Ele penteava-se todo, passava o gel no cabelo, vestia calças e camisas impecavelmente limpas e passadas, e chegava à Repartição...

E lá esperava todos os dias... o dia todo... uma ligação que nunca vinha... Esperava a ligação de uma espécie de Roberto Justus do serviço público...

Um homem que fosse o próprio avatar da burocracia... Um homem com um plano meticuloso, estritamente guiado por procedimentos do mais genuíno e inflexível formalismo legal.

Ele desejava fazer parte do plano desse homem; sonhava ser lançado numa odisséia burocrática de formulários, prazos, despachos, intimações, e maus tratos no balcão de atendimento...

Acontece que esse dia até hoje não chegou... e ninguém está disposto a dizer ao Chefe que nunca chegará.

Não há trabalho a fazer por aqui... O trabalho nos esqueceu e nós esquecemos como trabalhar...

Ainda não tiveram coragem de dizer a ele que a Repartição é como um limbo... que apesar de bater ponto todo dia estamos aqui aposentados por invalidez... isso tudo aqui é uma Matrix... um faz de contas.

Na Repartição a lógica da vagabundagem não admite suspensões ou derrogações.. É a triste realidade: por mais que o chefe queira mostrar eficiência ninguém verá.

Um workaholic no serviço público...liderando uma corja de vagabundos a zanzar pela cozinha o dia inteiro... sempre o primeiro a chegar e o último a sair...

O que posso fazer para ajudar esse cara?

12 comentários:

  1. Li isto na internet..... talvez vc possa oferecer um suco e pasteis para seu chefe.

    "Quem passou em frente à prefeitura de Belo Horizonte essa manhã acabou ganhando suco e pastel de graça. Uma forma que os servidores do município encontraram para chamar a atenção e protestar contra os valores do salário e vale-refeição."

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  3. Ilmo. Sr. Quase Engenheiro,

    Caldo de cana e pastel para exercizar o espírito frenético do homi?

    Gostei da sugestão... amanhã por volta da metade do expediente vou dar uma saída para ver se acho algo do tipo!

    Informar-lhe-ei do resultado em breve.

    Att.

    O Burrocrata

    ResponderExcluir
  4. Burrocrata...
    se a Repartição é uma matrix vc é o Neo, o predestinado a salvar o mundo da vagabundagem burocrática. E então: pílula azul ou vermelha?

    ResponderExcluir
  5. Ilmo. Sr. Anônimo,


    Não me sinto predestinado a nada...muito menos salvar o mundo.

    Quanto a pílula eu vou é com a preta: a boa e velha neo-saldina!

    Nada como duas dessas seguidas de muito café para me anestesiar as tardes perdidas na Repartição.

    Essas pílulas me fazem sentir como se estivesse vivendo um sonho dentro de um sonho. E eu quero acordar...

    Mas aí eu me lembro das palavras do poeta:

    "there is a dream inside a dream the more I wake the more I sleep"...

    Enfim, se eu fosse o Neo iria pela azul mesmo!

    Att


    O Burrocrata

    Ps. Perdoem-me os arroubos literários. Já me basta a vergonha de ser burocrata... Deus me livre de cismar a dar uma de Pedro Bial em dia de paredão! Cruz-credo! Saravá!

    ResponderExcluir
  6. Ai burrocrata... que tal organizar um movimento igual a este ai na repartição... ?

    REPARTIÇÃO NO PANTS!!!!!
    http://www.nopantssaopaulo.com.br/

    De uma olhada neste blog.... creio que os vagabundo que prezam pelo conforto vão adorar!!!!

    ResponderExcluir
  7. Seu pobre chefe com certeza deveria estar na iniciativa privada... tipo chefe de uma central de telemarketing. Serviço público não é lugar de quem trabalha!

    ResponderExcluir
  8. quantos anos ele tem?

    pode ser tempo de inovar na vida dele!

    "Pai dos pobres, mae dos ricos"...

    ResponderExcluir
  9. Ilmo. Sr. Abu,


    Ele é um espírito velho e burocrático aprisionado num corpo moço.

    Está no começo da casa dos trinta.

    Quanto a "inovação", devo dizer que é um termo desconhecido e até mesmo evitado entre os burocratas...

    No fim das contas o que todos burocratas querem é seguir vegetando com um pouco de dignindade; um plano de saúde; e um sindicato reclamão... até a aposentadoria e além...

    Penso que a saída para esse homem é vida burocrática como ela é...

    Att.


    O Burrocrata

    ResponderExcluir
  10. E assim começou uma crônica de uma morte anunciada: a dó primeiro e único burocrata que morreu do coração querendo trabalhar! Rá!

    at.,
    0100

    ResponderExcluir
  11. Caro Burrocrata,
    Se ainda não aconteceu não pode mais tardar! Uma enquete sobre como os vagabundos devem "dar vida" às horas-mortas na Repartição. É preciso padronizar esse procedimento. Talvez isso traga algum alento ao Chefe da Repartição. Se jamais haverá produtividade na burocracia que ao menos haja a padronização do procedimento ocioso.

    Glowsmek, o monstro.

    ResponderExcluir
  12. Glownsmek, preencha o formulário REPAPO - Requerimento de Padronização de Procedimento Ocioso, emita uma DAE - Documento de Arrecadação Estadual, pague em qualquer agência Bancária Credenciada, e, feito isso, protocole o pedido em três vias carimbadas e autenticadas na Secretraria Municipal Especializada em Nada - SEMEN.

    ResponderExcluir

 
BlogBlogs.Com.Br