sábado, 9 de maio de 2009

O pardal maldito


A cena era patética: o corpo todo torto na cadeira; as mãos inertes sobre o teclado; a boca meio aberta e os olhos atentos num pardal raquítico e feio que me encarava de cima do muro...

Era sempre assim... bastava eu sentar perto da janela e me acometiam distrações, dispersões e paranóias de toda sorte...

Enquanto isso o serviço que deveria, em tese, ser feito acaba sendo protelado para uma outra hora... um outro dia... uma outra semana... e enfim o dia de São Nunca!

Já era a quinta vez que eu refazia aquele mesmo bendito ofício. Os erros consecutivos vinham causando em mim um estado de crescente agonia.

À medida que eu identificava um erro aparecia outro no lugar, o que fez necessárias até o momento quatro tentativas : 1) tinha vírgula fora do lugar; 2) havia dois pontos finais seguidos ; 3) a numeração do ofício estava errada; 4) havia um erro ortográfico grosseiro...

A cada tentativa a minha ansiedade crescia mais...

Meu coração disparara, as mãos tremiam, um sorriso travado repuxou-me o rosto, e senti minha bexiga contrair-se subitamente... estava a ponto de me mijar as calças.

Levantei-me da cadeira com as pernas trêmulas e balancei os braços desengonçadamente em direção ao pardal maldito que me espiava da janela... minha intenção era espantá-lo dali... aquele pardal era culpado de tudo, era ele que me tirava a concentração!

Eu balançava os braços cada vez mais agressivamente, e o bicho continuava a me ignorar solenemente...

Havia uma advogada no balcão que se encontrava bastante preocupada com a minha situação... por duas vezes me perguntara se estava tudo bem... Certamente imaginava que eu estava apresentando sintomas preliminares de um ataque epilético.

Sentei-me, fechei os olhos, e coloquei todos meus esforços em pensamentos positivos: "Desta vez vai... fique calmo... não se desespere... não olhe para o pardal... agora você vai fazer de uma vez esse ofício... tomar um café... e tirar o resto da semana de folga... afinal, você merece!"

E assim eu procedi às correções pertinentes; e dei o comando de impressão.

Peguei os ofícios com as mãos trêmulas e frias... meu coração saltava pela boca... hesitei em lê-lo... senti que havia alguma coisa errada com ele... meu sexto sentido burocrático palpitava.

Eu o tinha relido antes na tela do computador 3 vezes antes de mandar essa impressão... mas na tela é uma coisa, na folha é outra... é sempre assim... é a lei da impressão e do desperdício de papel!

E realmente meu sexto sentido estava correto...

Quando reli aquele ofício que eu tinha em minhas mãos não pude acreditar como erros como aqueles tinham surgido no processo de redação, muito menos como puderam passar desapercebidos na leitura que fiz ainda na tela do computador.

Por entre 4 ou 5 frases simples e de pouca complexidade que compunham o corpo do texto, haviam sido inseridas intercaladamente e sem nexo algum com o texto as palavras: "pardal"; " passarinho" e " avião".

Olhei pela janela, o pardal não estava mais lá...Olhei para o balcão de atendimento, a advogada também tinha se ido...

Uma lágrima desesperada correu o meu rosto...
Corri para a cozinha e peguei um copo de café... De lá podia ver o Sr. R, ele contemplava o céu azul...
Aquele homem era mesmo um exemplo para todos nós... Vinte anos de serviço público e nenhuma ruga de preocupação ou desespero...

"É preciso exercitar a positividade do pensamento... para ser feliz devemos saber lidar com essas situações de stress que nos acometem no dia a dia... tirar delas o melhor ensinamento..."-ponderei, olhando para o Sr. R, enquanto tentando me acalmar.
"Existe pardal no jogo do bicho?"- perguntei -lhe

3 comentários:

  1. Esse tal de princípio da publicidade nos atos administrativos é lobby da indústria de cartuchos de impressora!

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  2. Ah, esqueci de dizer: não era um pardal, era o corvo, aquele do conto do Allan Poe.

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  3. Ilma. Sra. D. Zefa,

    Devo dizer que não concordo com a questão do lobby dos cartuchos de impressora. Se há lobby é o da CHAMEX. Note que para a redação de um simples ofício foram gastas 5 folhas.

    Quanto ao pardal, você está certa, ele é
    a versão tupiniquim do corvo do Allan Poe.

    Fato é que a situação toda foi muito estressante, rezo toda as noites para não viver nada parecido... nevermore!

    Att.

    O Burrocrata

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