sexta-feira, 7 de maio de 2010
Um cadáver, um cristal
sábado, 30 de janeiro de 2010
O pégaso do peito de aço
sábado, 8 de agosto de 2009
Good morning champion!
domingo, 26 de julho de 2009
O teatro de sombras
sábado, 27 de junho de 2009
Sonhos gordos de inverno
domingo, 21 de junho de 2009
Senhor dos destino
É preciso adaptar-se delicadamente às lerdezas da Repartição ou sofrer as chagas de uma eficiência estéril... Perdendo a dignidade na tentativa de se mostrar útil... Esse é o caso do nosso pobre chefe.
Desde que a Seção de Contratos lhe enviou um ofício implorando para que nao lhes fossem mais encaminhados Relatórios que não fossem requisitados, que não tinham motivos para existir, e que ocupavam inutilmente espaço na sala de arquivos, o chefe deprimiu-se e não vem trabalhar.
Ele não vem trabalhar e por consequência a Repartição fica como eu a encontrei hoje...
Vazia.
As mesas vazias... o balcão vazio... o secar de uma almofada de carimbo ao relento... e um mosquito que hiberna sobre uma impressora encardida.
Não havia ninguém.
Mas eu sabia muito bem onde todos eles estavam. Atravessei as mesas solitárias, passei pela cozinha e já pude ouvir os burburinhos nos fundos. Os vagabundos se reuniam em torno de uma mesa plástica... alguns de pé, outros sentados... mas todos igualmente resguardados sob a sombra daquela árvore feia e mal cuidada... a única em todo o descampado poeirento do quintal.
Puderam me ver chegando. E perceberam meu olhar inquisitor de quem mesmo sem moral nenhuma para questionar vagabundagens, ainda que saber: "Por que vocês não estão lá dentro?"
Antes que eu abrisse a boca para perguntar qualquer coisa a Sra. P foi logo se adiantando:
"Disseram que a caixa d´água está transbordando e o teto ameaça ceder sobre nossas cabeças... nessas condições não dá para trabalhar."
E voltaram a tagarelar alegremente tal qual crianças desfrutando o horário vago na falta de um professor ao compromisso.
Eu peguei um café e fiquei por lá a rondar os vagabundos. Aqueles assuntos realmente não me interessavam: receitas de canjiquinha e arroz-doce; relatos de gloriosos feriados no hotel-fazenda; consultas ao médico; diagnósticos desencontrados; e cânceres em família. O único ali que poderia me entreter era o Sr. R- que mais uma vez havia atestado sua sagacidade saindo mais cedo do expediente.
Ficar ali era perda de tempo.
Resolvi entrar por dois motivos: 1) Talvez ver de perto a caixa d´água explodir e ser soterrado em meio aos escombros da Repartição fosse a coisa mais emocionante que pudesse acontecer comigo em toda a minha vida de burocrata; 2) Desde que eu botei os pés na Repartição hoje, eu vinha sentindo meu coração palpitar dizendo que algo de importante estava para acontecer.
Entrei e sentei-me ao balcão.
Apurei o ouvido para qualquer baruho estranho vindo do teto que anunciasse a catástrofe. Mas eu nada ouvia.
Fiquei lá a tarde inteira à espera de alguém... um advogado insolente com um falar difícil... um cidadão comum que viesse humildemente pedir uma informação.
Mas ninguém veio. Os vagabundos também não vieram.
Já adentrava o fim de expediente... o sol se punha... tudo ficara ainda mais triste... o café ficava mais frio... e eu preparava para deixar o balcão quando ele entrou.
Era alto... sua presença impunha... e mesmo tentando, não conseguia dissumilar que ele não era. Mesmo debruçando sobre o balcão e escondendo o rosto envergonhadamente por trás dos óculos escuros, não pude deixar de reconhecê-lo.
Por respeito ao seu esforço, fingi não saber quem ele era. Fingi que não se tratava de um famoso ator que há muito andava desparecido do horário nobre.
Antes poderoso; rodeado por lindas mulheres; dono de um grande ego semanalmente massageado no Faustão... Agora cabisbaixo; feito um cachorro assustado; implorando por urgência na certidão.
O que fazer numa situação dessas? Qual é a coisa certa?
Compadecer de seu sofrimento, driblar todos esses procedimentos burocráticos patentemente inúteis e dar-lhe logo a certidão? Ou por respeito ao brasileiro médio, submetê-lo aos mesmos trâmites que tanto desespero causam às pessoas comuns?
A vida biônica de burocrata nos impõe dilemas para os quais nossos corações humanos não estão preparados para enfrentar.
O homem não é um número... a lei não é senhora de nossos destinos.
Enquanto eu pensava nessa coisas ele irrompeu impacientemente do outro lado do balcão:
"Dá para agilizar? Tenho mil e um compromissos para ontem..."
Ele tornara as coisas mais fáceis...
Dei-lhe então a lista com todos procedimentos para se obter a certidão... imprimi 3 guias de recolhimento a serem pagas no banco... e orientei-lhe que voltasse daqui a 1 semana.
E aqui na Repartição até hoje o teto ameaça despencar.